quarta-feira, janeiro 26, 2005

OUTROS OLHARES

Esta coisa da visão é tramada! Uma pessoa passa uma boa parte da vidinha a olhar para tudo o que a rodeia de olhos "tais como vieram ao mundo" e de repente a notícia brutal e demolidora do oftalmologista: "o meu amigo tem de usar óculos!"; assim sem mais nem menos, sem aviso prévio, impedindo um cidadão de dar uma última voltinha com estes que a terra há-de comer, libertos de aros, lentes, enfim, nuzinhos...«vamos lá então fazer o examezinho, para lhe darmos uma "visão perfeita da vida" daqui a três dias», ordena o da bata branca. «três dias?!; não pode ser daqui a um mês...ou dois?!» quase que imploro. «nada a fazer! você até pode cegar, se não trata já do assunto; percebeu?!» responde a alva figura, de má catadura, receando ver fugir-lhe o cliente. Foi assim que as coisas se começaram a desmoronar...

Naqueles três dias usei e abusei dos olhos; li o mais que pude.Do "24 horas" ao "Expresso", da Yourcenar ao Saramago, passando pelo Paulo Coelho. Vi toda a qualidade de espectáculos que haviam para ver; do "Serviço D´amores" no Dona Maria à "Rainha do Ferro Velho". Revi o "Leão da Estrela" e a "Águia Moribunda"(?!) Aos amigos chegados, encostava-lhes os olhos aos ombros e dizia «vou pôr-te a vista em cima pela última vez!». Perguntavam-me invariavelmente se ia partir...para longe. Respondia-lhes sempre igual: «não; vou usar óculos.» Olhavam-me de soslaio e deviam pensar: "ensandeceu...coitado!". Á minha amada esposa olhava-a terna e demoradamente, tão demoradamente que ela me perguntou um dia «ó homem! tu queres comer-me com os olhos?!»

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