quarta-feira, janeiro 05, 2005

RESQUÍCIOS das FESTAS

LINHA ETÍLICA

Passei a linha
de fronteira
que separa
a sensatez
da asneira;
frágil e soez
caiu-me o corpo,
em tremideira,
qual copo,
de borco...


O autor do poema, aturdido, faz um gesto para se erguer; em vão. O tecto do quarto oscila perigosamente em direcção à sua (dele) cabeça. Desanimado, interroga-se "que raio de dia será hoje?" mas não consegue reunir ideias e não insiste. A porta abre-se e uma voz feminina de um corpo que não consegue ver, questiona-o ásperamente: «vais continuar aqui mais outros quatro dias?! metido nesta pocilga nauseabunda?!». Que poderá ele retorquir se nem se consegue levantar?. Agora já vê, embora desfocada a cara-do-corpo-que-fala que se chegou perto da cabeceira da cama. É uma mulher assustadoramente grande, brandindo o indicador ameaçador: «olha para esta nojice!bocados de bolo-rei e de pastéis de bacalhau nestes lençóis!! Tu pensas que sou tua criada?! Tás muito enganado!! Ouviste?!», e o sobrolho esquerdo treme perigosamente acentuando-lhe em zig-zag a cicatriz que lhe desce da vista até ao canto da boca. O autor pergunta-se se não será esta figura medonha a expiação de todos os seus desvarios e malvadezes. Se assim é, reconhece razão à sua amada mãe que sempre o foi preparando para "quando este dia chegasse", pois que alguma vez "seria chamado a prestar contas"...

Amedrontado e nauseado, o autor finalmente abriu a boca: «eu sei que não me tenho portado nada bem; reconheço que mereço toda a sorte de castigos, sejas lá tu quem fores...a partir deste momento a devassidão vai deixar de morar no meu corpo. Peço-te que me prepares um banho bem quente para que consiga arrancar da pele o animal da maldade que em mim se instalou. Vou ser forte e nunca, mas mesmo nunca mais, voltarei ao caminho da perdição. Entretanto, passa-me aí o garrafão de tinto que está debaixo da cama; estou cá com uma sede...

O pano cai, perdido de bêbado.
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